14 março 2010

Cientista descobre como talidomida provoca má-formação em fetos

Fonte: O Estadão de São Paulo

Estudo pode ajudar a desenvolver alternativas seguras ao remédio, que é usado, por exemplo, contra hanseníase

Cientistas japoneses desvendaram como a talidomida interfere no desenvolvimento de fetos e provoca má-formação. A descoberta abre as portas para o desenvolvimento de alternativas seguras ao remédio que mantenham eficácia terapêutica, mas sem efeitos adversos.

A droga foi proibida na década de 60 depois que milhares de crianças nasceram com atrofia dos membros ou problemas cardíacos. Voltou ao mercado na década seguinte - sob rigorosa legislação -, pois constitui uma boa alternativa para tratamento de doenças como hanseníase, lúpus, câncer na medula óssea e artrite reumatoide.
Hoje, a talidomida chega a ser indicada para até 60 tipos de tratamentos, que incluem alívio dos sintomas de portadores do HIV e diminuição do risco de rejeição em transplantes de medula. Contudo, o acesso é restrito a pacientes cadastrados nos programas públicos de saúde.

O estudo mostrou como a talidomida liga-se a uma enzima chamada cereblon, muito importante nos dois primeiros meses do feto para o desenvolvimento dos membros. A ligação torna inativa a enzima, o que provoca a má-formação.

"Agora queremos identificar os mecanismos químicos da talidomida responsáveis pelos efeitos anticâncer", afirma o coordenador da pesquisa, Hiroshi Handa, do Instituto de Tecnologia Tóquio. Dessa forma, os cientistas esperam criar derivados da talidomida que não reajam com a enzima cereblon, mas sejam eficazes no tratamento das doenças.

"Já havia uma corrida das indústrias farmacêuticas para desenvolver um derivado seguro da talidomida", conta Lavinia Schüler Faccini, chefe do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Afinal, é um medicamento com muitas aplicações."

Lavinia aponta que a descoberta, divulgada na revista Science, deve acelerar as pesquisas na área. Ao Estado, Handa preferiu uma previsão conservadora. "Levarão vários anos para desenvolvermos alternativas e derivados mais seguros da talidomida", afirmou.

Mesmo assim, Claudia Marques Maximino, da Associação Brasileira de Portadores da Síndrome da Talidomida, não escondeu a alegria ao conhecer a pesquisa. "A talidomida destruiu parte dos nossos sonhos, mas eu sei que ela ajuda outras pessoas a recuperarem seus sonhos aliviando muitas doenças", afirma Claudia. "Quando ela não apresentar mais riscos, todos poderão sonhar juntos."

A associação foi uma das principais responsáveis pelas recentes vitórias legais das vítimas do medicamento (mais informações nesta página). Claudia sonha com o dia em que poderá fechar a entidade por não existirem mais casos de recém-nascidos com a síndrome. Lavinia recorda que o Brasil foi o único país que registrou casos de má-formação fetal causada por talidomida depois do ano 2000.

Atualmente, a venda do medicamento é proibida. Só um laboratório público no País pode produzi-lo - a Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Belo Horizonte. Além de levar a prescrição médica, o paciente precisa assinar um termo de responsabilidade antes de retirar o remédio nos postos de saúde.

Segundo dados da Funed, a demanda anual do Ministério da Saúde é de 7 milhões de pílulas com 100 miligramas de talidomida cada uma.

No ano passado, a fundação bateu o recorde de produção, com cerca de 8 milhões de unidades até novembro.

COBAIAS

Na década de 50, os testes pré-clínicos do medicamento foram realizados com ratos e camundongos. Contudo, os dois roedores são imunes aos efeitos adversos da talidomida. Por isso, só foi possível descobrir que o remédio não poderia ser administrado a mulheres grávidas quando surgiram os primeiros casos de bebês com problemas.

Por isso, os pesquisadores japoneses utilizaram outros tipos de cobaias: o peixe-zebra - também conhecido como paulistinha - e galinhas. Os dois animais sofrem danos de má-formação análogos aos observados em humanos: nascem sem nadadeiras ou asas.

Os cientistas desenvolveram variedades transgênicas desses animais que produziam um tipo de enzima cereblon incapaz de se ligar à talidomida. Expostos ao medicamento no início do seu desenvolvimento, peixes e aves transgênicos não apresentaram sinais de má-formação.

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